sexta-feira, 26 de outubro de 2007

As mães...

"Como as outras mães

Gostava de ser como as outras mães. Invejo-as. Àquelas cujos filhos são um projecto de vida, que cumprem com rigor profissional. Que nunca falham a natação das meninas, com as suas toucas rosa e os chinelinhos a condizer, nem o judo dos meninos, com os seus quimonos imaculados e os cinturões na cor certa; que perdem com gosto fins-de-semana de passeio para torneios, exibições e concertos (mais os respectivos ensaios gerais); que sabem de cor o nome das vacinas contra a gripe e contra a meningite; que cumprem escrupulosamente o calendário de vacinação e não recebem em casa avisos do posto de saúde da área de residência; que contam os dias para a reunião na escola, assentam as dúvidas que vão colocar à professora num moleskine com florzinhas e são as primeiras a sentarem-se na cadeirinha da frente e a assinarem a folha de presenças; que não recebem olhares complacentes no recreio, enquanto lhes dizem, não se esqueceu de que hoje é a reunião de pais, pois não?; que não mentem descaradamente e não dizem, claro que não!, onde é que é mesmo a sala de aula?; que não se enganam sistematicamente na sala, indo parar à professora do lado. Gostava de ser como as outras mães, que não têm justificar na caderneta dos filhos os atrasos da manhã e que não acordam mal-dispostas. Gostava que eles tivessem o pequeno-almoço a fumegar mal entrassem na cozinha e eu, a recebê-los, sorridente, e não esta amostra de ser humano que sou quando me levanto, a queimar as torradas e a entornar o leite que despacho no micro-ondas. Gostava de gostar dos aniversários dos coleguinhas e de ter paciência para conversas típicas de mães, sobre percentis, ateéles, números de calças e bronquiolites, enquanto eles jogam à bola, apagam velinhas e comem gomas; de os deitar todos os dias a horas certas, aconchegando-os com uma história, um beijo e uma suave luz de presença, e não de ficarmos a dançar até às tantas em cima da cama ou a vermos filmes que nem lhes são adequados à idade, quando no dia seguinte é as sete e estamos todos a pé, cansados, moribundos. Como as outras mães, sim, que não chegam sempre atrasadas e esbaforidas, a ensaiarem desculpas e justificações; que os ajudam nos trabalhos de casa e lhes explicam aljubarrota, fracções e verbos compostos sem se exasperarem e lhes virarem as costas, derrotadas, à segunda tentativa; que nunca dizem “merda” à frente deles e se referem ao marido como “o pai do x ou da y” , numa alegre dissolução identitária. Que não os deixam usar a mesma roupa duas vezes, lhes dão banho todos os dias e não se esquecem de esfregar atrás das orelhas; que não os deixam comer pringles antes do jantar nem trocar a sopa por três danoninhos. Gostava de que me apetecesse estar com os meus filhos a todas as horas do dia e de que eles nunca se apercebessem do contrário; de não falhar a manicure nem o cabeleireiro e de estar sempre impecável, de lhes dar o exemplo; e de marcar amiúde reuniões com a directora, para discutir ligeiras quebras de rendimento e a qualidade da comida do refeitório; de não falhar o antibiótico; de levar a sério o que diz a psicóloga, de seguir à risca as indicações do pediatra e de ter guardado todos os dentes de leite (e não de me ter desfeito deles, enjoada porque me lembravam relíquias de santos mortos). De trazer sempre bolachinhas na mala, dodots no carro, mantinhas no porta-bagagens e de os sentar apenas em cadeirinhas devidamente homologadas; de nunca lhes trocar os nomes; de ter as fotografias ordenadas por idade, por festividade e por filho, e não aos molhos dentro de sacos de plástico; de saber de cor os furos que têm nos horários, os dias dos testes e os inícios e fins das férias. Gostava que eles, por vezes, não tivessem de lutar tanto para se manterem à tona deste caos de mãe que sou eu."


Porque a Vieira consegue dizer tudo.

Queria conseguir ser algumas destas coisas... e vou tentando, com dias melhores e outros nem tanto, quando apenas nado para não me(nos) afundar.

17 comentários:

  1. Tem piada, que também li isto e achei muito interessante.

    Como aliás, praticamente tudo o que esta senhora escreve.

    ResponderEliminar
  2. O texto é divinal...

    bjos

    Cristina

    ResponderEliminar
  3. Não alteraria nada no texto.
    De lembrar que se existe uma mãe assim, com toda a certeza ela não trabalha fora de casa 7/8 h (sim, porque em casa também se trabalha e muito...)por dia, não tem os afazeres diários da casa por conta dela e outras coisas mais, mas também não tem aquela satisfação de dever cumprido ao final do dia, quando se deita quase à uma da manhã, que é o meu caso!!!

    Beijos,
    Anabela Pereira

    ResponderEliminar
  4. Concordo... nem sempre conseguimos ser as Mães que gostariamos...

    Adorei lêr este texto!!

    Beijocas

    ResponderEliminar
  5. Eu acho q ñ estarmos satisfeitas nunca faz parte do pacote, mas o importante é estarmos atentas e fazermos o melhor possível.

    ResponderEliminar
  6. Amiga,

    Apesar do que tu achas, eu acho que tu és uma mãe assim, ou perto de ser assim.

    Não és como eu.
    Aposto qu nunca te esqueceste uma reunião na escola...
    De certeza que o teu filho mais novo nunca teve de vir embrulhado numa camisola do irmão por não existir roupa de substituição na escola...
    Nunca levaste o teu filho à escola num dia em que a escola estava fechada...
    Ou uma vezes os deitas às nove e outras às onze...
    E muitas vezes não têm sopa feita, e lá vem de casa da avó ou da prateleira do supermercado...

    Eu não tenho um unico album feito deles. E há medida que o tempo passa acho que já nunca vou ter. Não conheço as mães dos Colegas dos meus filhos e tenho muito pouca paciência para a conversa do corredor.Ainda houve uma que me começou a telefonar, mas desistiu face à minha falta de intersse sobre o tema se a coordenadora anda ou não com o Director.
    Nunca sei para que sala tocar quando chego à escola.
    As cadeiras essas são homolagadas, mas confesso que as escolho pelo padrão.
    Nunca há bolachas na mala. E toalhitas tem dias...
    Não estou sempre impecável e tenho dias que fico mesmo à beira de um ataque de nervos.
    Tirando o antibiótico, acho que mais nenhum medicamento é dado a horas e com verdadeiro método.
    Vou deitar-lhes de certeza os dentes fora, porque acho que não servem para nada. A minha mãe guardou os meus e eu própria, já adolescente, deitei aquilo fora.
    E já tive quase, quase, a ir comprar roupa porque a que tinham (e acredita que até têm muita) estava toda para passar a ferro.

    Mas, se tivesse que dar a minha vida pelos meus filhos dava-a sem hesitar.
    E pelo menos por agora, acho que eles me olham com o amor igual ao amor que vejo nos olhos dos filhos das mães "perfeitas".

    Se gostava? Claro que gostava de ser uma mãe perfeita. Mas, acho que os meus filhos vão aprender cedo que a mãe é apenas humana. Mas, ama-os!

    ResponderEliminar
  7. E quem tem que aturar filhos e mães, quem é?

    Nós, os homens, somos uns incompreendidos... :P

    ResponderEliminar
  8. o texto está de se lhe tirar o chapéu!

    e eu também sou desse clube!

    ResponderEliminar
  9. Já o tinha lido, este texto de facto merece um destaque especial...
    Bjs

    ResponderEliminar
  10. Olá!
    Desculpa o abuso, mas venho apenas dar a conhecer o meu blog sobre a criação de convites, placards, ementas, missais, mapas, etiquetas e demais material para casamentos, baptizados ou outros eventos:
    www.primorosadesign.blogspot.com
    Visita, comenta e, se gostares, divulga!
    Obrigada! Beijinhos!

    Em relação ao texto: excelente!Acho que todas temos dias em que ao deitar sentimos "Dever cumprido!" e outros em que tudo corre mal e gostaríamos de poder passar uma borracha por cima. Beijinhos!

    ResponderEliminar
  11. Tocou-me e muito este texto, gostei e identifiquei-me em várias coisas...

    Beijinhos :)

    ResponderEliminar
  12. Felizmente, alguém que não tem pudor em reconhecer-se pura e simplesmente humana...!
    Há muito que não o faço, mas vou abrir uma excepção e adiccionar esse endereço à minha lista de blogs de eleição. Porque só pode valer a pena!

    ResponderEliminar
  13. Ainda estou a digerir cada palavra...
    Mas, Xana, tu és uma mãe maravilhosa!!! E nós não temos que ser perfeitas... a perfeição está no nosso amor infinito e incondicional por eles. E eles sentem isso!

    Beijo grande

    ResponderEliminar
  14. Por acaso há ali umas coisas que eu não sonharia ser, mas há outras que não estão lá que eu queria ser e não sou.
    Acho que neste momento bastava-me ser um bocadinho organizada e já ficava feliz ahahahah ... o resto ... olha, elas têem coisas boas de mim, espero que seja suficiente para as outras menos boas :op (hoje estou de bem disposta ou a conversa seria outra :op)
    Ah ... desculpa nunca mais ter dito nada (ora aí está uma coisa que eu gostava de ser diferente, dar atenção devida às pessoas que eu gosto), a tal desorganização que é o meu dia-a-dia ...

    ResponderEliminar
  15. Gostei do texto, quanto mais não seja para me apercer de um conjunto remoto de coisas boas que posso fazer com o Benjamim... olé!

    falhar cabeleireiro e manicure... lolol está bem, está.

    ResponderEliminar